Há Vida Para Além das Thrusters?
Devido ao recente abanar de consciências causado pelas pranchas de quatro fins, fomos conversar com um dos homens por trás desse movimento, o australiano Bruce McKee, o único shaper na Europa a produzir as Quads. As palavras abaixo, um livro aberto de sinceridade e conhecimento, resultam de um encontro entre o designer e o seu test pilot que, juntos, procuraram uma resposta para a pergunta “can you trust the Thruster?”

Entrevista de Tiago Oliveira

Bruce, parece que anda para aí um novo burburinho na indústria, que apanha todos os tipos de prancha, desde as fish de ondas pequenas às big wave guns e até as tow-in boards. A "quadmania" está realmente a chegar a todas as zonas costeiras do nosso planeta que respiram surf, apesar deste ou daquele ponto de resistência. Sabendo que carregas a bandeira “Quattro” há mais de 20 anos e que nunca desististe dela, como vês este fenómeno e o facto de só agora as pessoas estarem a tomar conhecimento?
Bem antes de te responder directamente à tua pergunta, deixa-me explicar-te como as modas afectam as vendas das pranchas de surf. Porque, feliz ou infelizmente, isso acontece. Se acontece de estares a produzir o design em voga, utilizado pelo surfista em voga corrente, então obviamente as tuas vendas de pranchas vão correr melhor do que se estiveres a produzir um design “fora de moda”. A menos que tu sejas um shaper que tenha sido rotulado como um líder de design. E isso é uma encruzilhada, pois tanto podes ser considerado um visionário como podes ser rotulado de excêntrico, só porque na verdade és um não conformista. Para quebrar o estereotipo, é necessário que algum guru qualificado ou pró lendário te abençoe com o manto da credibilidade. Mas em virtude do factor competitivo podes permanecer um “excêntrico” até que, por um golpe do destino, algum competidor desconhecido vença um grande campeonato com a tua criação e passas então a ser visto como um novo guru. Eu chamo a isso uma “mutação” da indústria e matéria de sonhos.
A maior parte dos shapers tem a tendência de seguir pela via fácil do conformismo. Isto aplica-se também aos surfistas profissionais que evitam aborrecer ou arriscar os seus patrocinadores por andarem a carregar material fora de moda debaixo do braço. E há também grandes marcas de pranchas que pressionam os shapers rebeldes a alinharem pela batuta das modas mercantilistas. Outras gostam de usufruir do debate e da publicidade gerados pelos conflitos da inovação, mas ficam em cima do muro para garantir que estão sempre do lado mais seguro. Nesse sentido, é muito benéfico que os donos ou directores das empresas de pranchas não sejam uns pararucos. Assim, novos e viáveis desenvolvimentos tecnológicos não são varridos para debaixo do tapete em nome da segurança, mas sim testados secretamente até que uma decisão bem estudada possa ser tomada.

Então eporquê de só agora?
Imagino que seja o destino, mas apesar de ter trazido uma Quadrifin do Havai para a Europa via Havai há 16 anos, nunca fui visto como um guru do shape. Por isso, antes da minha chegada eu ignorava a guerra que iria começar com aqueles que só por isso classificar como os “inquisidores”.

Trabalhaste com uma grande empresa em Espanha que produzia pranchas para alguns dos melhores surfistas do mundo. Nessa altura, quem conseguiste que experimentasse o teu sistema?
A maior cena no início foi quando uma prancha que fiz para o Derek Hynd acabasse nas mãos do Tom Curren. Logo depois, recebi dois faxes “demasiado bons para serem verdade” do Derek a dizer que o Tom tinha adorado a prancha, que não a ia devolver e que iria aparecer no “Rip Curl Search 2” a fazer altos carvings com ela em J-Bay. Ele também aparece no “Searching For Tom Curren” com essa 6’11”. A única cena chata relacionada com esses filmes, algo só pode ter sido um lapso, é que nunca foi mencionado que ele apanhou aqueles tubos monstros e estava a bater mais rápido e mais forte que nunca naquilo que eu baptizei de “Quattro” (em homenagem ao carro, claro). Era o amanhecer do regresso da fish e isso, graças ao Tom, tornou-se o foco de atenção em detrimento do conceito da “Quattro”.

Mas as pessoas com quem trabalhavas deviam saber da verdade. Porque não tiveste apoio daí?
Eu sabia que ia ser um projecto difícil, mas não sabia que ia ser tão abafado. Por vezes, certas pessoas ou grupos, quando decidem ir contra qualquer coisa – mesmo provando-se que estão errados – vão bloquear a verdade até ao fim dos seus dias. E tenho a certeza que neste momento essas pessoas estão a tripar agora em virtude do que aconteceu. Mas de volta àqueles dias, eles disseram “olhem para o Tom, perdeu completamente o juízo, a surfar numa quadri-fin”. Enfim, aquelas pranchas não encaixaram na visão conformista e nos planos de marketing de alguns. Depois de algumas reuniões para me impedirem de fazer quatro fins, mesmo depois dos vídeos do “The Search”, percebi que o mundo estava formatado para uma só visão, com os pros, gurus e campeonatos a mandarem na indústria.

Mas durante esse tempo também fazias pranchas para o Sunny Garcia. Ele chegou a experimentar alguma “Quattro”?
Bem, houve um estranho dia em Lacanau, em que ele estava todo contente com algumas das minhas tri-fins e, de repente, decidiu experimentar uma das minhas “Quattros”. Na altura, isto em 1993, os fins eram fixos e aos modelos eram muito diferentes das versões actuais, mas ele estava a partir a loiça toda num mar de meio-metro e comecei a pensar que aquilo podia mesmo resultar. Entretanto, ele saiu da água todo entusiasmado, a exibir a prancha para quem quisesse ver e o Marty Thomas foi-lhe logo perguntar o que estava a usar. Eu estava sentado ao lado do Luke Egan a ver uma revista australiana quando, de repente, vi uma foto do Curren com uma prancha minha e disse: “Olha, esta é uma das minhas Quattro!” Entretanto o Sunny pediu para ver e imediatamente acabou o seu entusiasmo. Ainda lhe fiz umas com o novo sistema M5 Multisystems mas acho que ele nunca chegou a usá-las. Talvez o facto de, nessa altura, o Sunny estar concentrado no título mundial esmorecesse a sua vontade de se dispersar com experiências.

Teria sido interessante a exposição gerada por parte de um surfista como o Sunny.
Penso que foi o destino, porque ainda não tinha tudo pronto ainda. Mas eu estava a tentar chamar a atenção deles quanto ao potencial das pranchas e, no entanto, eles diziam: “O quê?! Estás a tentar arruinar a minha imagem?” Recuei, um pouco atónito por ninguém ter captado a mensagem. Eu tinha guns de 10 pés com quatro fins a aguentarem-se melhor que qualquer Thruster numa altura em que as quatro-fins eram supostas funcionar como as twin-fins, ou seja, pranchas de ondas pequenas!

Mas és um osso duro de roer, não és?
Alguns chamam-me obcecado. Eu diria empenhado.

E agora, como vês o que tem saído nas revistas, sabendo que alguém ganhou o campeonato de Mavericks a surfar numa quadri-fin e que o "Stretch" Riddle foi coroado “Shaper do Ano” na Surfing Magazine por causa das suas quadri-fins?
No começo achei triste, a pensar que, se não fosse pelos “inquisidores”, a empresa onde eu estava poderia estar a celebrar o nosso triunfo. E agora que a bola de neve começou a rolar, acho que não vai parar e vai ser a melhor coisa dos últimos tempos.
Pelo que tenho lido e visto, com o Stretch a afirmar que “elas não fazem o top-to-bottom tão bem quanto as Thrusters”, ele está na mesma posição onde eu estava há dez anos. O passo principal para resolver o mistério das quadri-fins foi perceber onde tinham que estar os fins de trás relativamente ao rail e em relação à largura do tail. Isso foi uma evolução relativamente às primeiras “Quattros” que fiz. Curiosamente, foi uma pergunta de um amigo que me iluminou. Ele perguntou-me porque é que eu não posicionava os fins de trás como se fossem um único fin traseiro. Essa foi a grande revelação!

E qual foi a diferença?
Se os fins traseiros estão muito distantes entre si, ou demasiado perto do rail, isso quer dizer que são menos reactivos. Assim, é preciso usar fins mais pequenos atrás para eliminar o “agarranço” no rail, o efeito de trilho. Quando eles mencionam a dificuldade de obter fluidez no top-to-bottom, referem-se ao tempo que os fins demoram a reajustar a trajectória da prancha para um percurso a direito entre as curvas, coisa que as Thrusters fazem muito bem. O surfista tem que projectar a prancha para o outro rail ao invés de somente inclinar-se gentilmente nessa direcção. A prancha pode ficar presa numa curva e redireccioná-la pode ser complicado. Não estou a dizer que posicionando-as mais próximas uma da outra resolve todos os problemas, porque tudo tem a ver com proporções. Muito próximas num tail largo pode significar falta de drive. Do mesmo modo, muito separadas podem tornar a prancha demasiado presa. É tudo uma questão de equilíbrio.
Também li qualquer coisa sobre como são precisos tails mais largos para incluir a quilha extra. Pura fantasia! Podem-se usar exactamente as mesmas medidas de rabetas das Thrusters.

Quem vai ao teu website tem acesso a muita informação técnica sobre os teus sistemas M4 e M5. O que pude perceber foi que isto tem sido um longo trabalho de ajustes e correcções, certo?
Eu tenho a fórmula há vinte anos. Fiz umas pequenas alterações, adicionei algumas coisas mas, na prática, mantenho a mesma base desde há nove anos, apesar de ainda haver muitos testes para fazer, sobretudo em pranchas maiores – entre os 7’6” e o longboards de 9 pés.

O Tom Carroll aparece num dos teus vídeos a ripar um Sunset considerável com uma das tuas 8’2”. Como aconteceu e o que saiu daí?
Conheço o Tom desde os tempos da escola. Ele sempre esteve aberto a fazer cenas comigo. Uma vez o Nick Carroll fez um artigo comigo para a Surfing sobre as “Quattro”. Eu tinha feito cerca de vinte pranchas na Blue Hawaii com o Glen Minami, e o Pete Frieden tirou as fotos. Tinha tudo até 9’6” e disse ao Nick para experimentar uma 8’ e comparar com as pranchas que ele usava, mas ele não mordeu o isco. O artigo que ele escreveu revelou falta de pesquisa e objectividade. Ele nunca sequer tocou em nenhuma das pranchas havaianas. Encontrei o Tom numa competição de Masters em França e ele disse-me que adoraria experimentar as pranchas. Fiz umas que ele levou para Fiji. Eram M5 Multisystems, por isso ele podia fazer o teste completo, e acabou por adorá-las. Estava entusiasmado por ter o Tom a ajudar-me a convencer a FCS a entrar na cena, porque dali sairiam grandes recompensas para a indústria do surf.

E então como foi desta vez?
Não aconteceu por, julgo eu, conflito de interesses. Ele estava a lançar a sua série de tri-fins Tuflite, também já tinha uns quantos modelos de fins desenhados e tinha uma invasão de pranchas asiáticas programadas para inundar o planeta surf. Portanto, para quê preocupar-se com as Quattro ou as M5 Multisystem? Ele pôs o Slater a experimentar as pranchas, mas meteu os fins errados e… esquece!

Isto é quase como tentar pôr as pessoas a usar combustíveis alternativos em vez do precioso óleo que faz girar a nossa querida Terra, não é?
Há muito controlo na indústria e apesar de ser estimulante e refrescante mudar uma indústria estagnada, as mudanças podem também abanar as hierarquias estabelecidas. Por isso, a menos que seja uma mudança forçada, fica tudo na mesma.

Que outros shapers contactaste e trocaste ideias acerca das Quattro?
No começo, Maurice Cole, Mike Croteau, Pat Rawson, que esteve muito receptivo à ideia, Ned McMann, Gordon Hanson, sobretudo havaianos. O Brian Bulkley fez e surfou no Pipemasters com quadri-fins, mas parou porque isso estava a afectar a sua reputação. Quem acho que fez um trajecto similar ao meu foi o Jeff Clark, pelo que me disse o Pat Rawson acerca das suas tentativas de surfar Mavericks com quads.

Tens estado a viver em Portugal e na Europa nos últimos anos. Ora, nós não temos um mercado de pranchas que possa influenciar algum dos outros grandes mercados de surf do mundo. O que te tem prendido por cá?
Portugal tem óptimas ondas. Infelizmente, ainda não fui à Madeira mas encontrei aqui gente muito boa, boa comida e várias pessoas interessadas em experimentar os meus modelos. Tu, que tens sido um grande apoiante e porta-voz do sistema, o André Pedroso, que fez aquele tubo assombroso no Rip Curl Pro em Peniche com uma Quattro 6’8”…

Tu tens toda a informação detalhada sobre o teu sistema escarrapachada no teu website à vista de qualquer interessado?
Se as pessoas soubessem que os irmãos Irons têm andado a surfar Quads em Teahupoo talvez tirassem a cabeça da areia.

Mas o que te fez publicar toda essa informação na net? Por que não a apagas e a guardas apenas para ti, uma vez que começa agora a inflacionar o seu valor?
Ninguém se importou com as Quads até verem o Anthony Tashnik ganhar em Mavericks. E há seis anos pensei que seria justo oferecer o meu conceito ao mundo de forma independente através da net. Bombardeei os media com toda essa informação e o Al Merrick, etc, com links para o site e vídeos e tudo…

E respostas?
Não sou nenhum guru do shape, por isso quem se importa? Foi bom terem surgidos alguns artigos em revistas, como na Tracks e na Waves. Outros distorceram as minhas palavras, dizendo serem pranchas de ondas pequenas. Mas se a companhia para a qual trabalhas luta contra ti activamente, que podes fazer?

E agora, na era das Quads, como vês o teu papel?
Adorava estar mais envolvido no marketing e no desenvolvimento do sistema. Tenho estado a falar com a FCS nos últimos dez anos, tentando mostrar-lhes que é melhor fazer alguma coisa com a ideia do que esperar que alguém o faça por eles. A administração tem mudado muitas vezes. Vamos ver se agora podemos trabalhar juntos para benefício de todos.

Vejo que está tudo a encaixar um pouco melhor agora mas ainda anda muito devagar, não é? As pessoas continuam a sentir-se melhor a dizer mal dum produto novo, que ainda não experimentaram, do que a pegar nele e tentar tirar proveito. Como dizem os gurus da física quântica, temos tanta porcaria enfiada nas nossas cabeças que por vezes parece que o corpo já só quer mais daquilo e rejeita automaticamente tudo o resto.
Em Portugal, antes de me separar da última empresa, duas em cada cinco pranchas eram M5 Multisystem. Mas é altura de irmos mais longe ainda. O objectivo disto é ter toda a gente a beneficiar do entusiasmo do momento e se eles usarem a informação eu asseguro-os que não vão errar. As pessoas não sabem o que perdem por não tentarem.

Qual a tua opinião sobre os fins com double-foil e com extremidades dianteiras arredondadas (rounded leading edges)?
Eu não sei as idades desses novos especialistas que as revistas encontram, mas essas características existem desde as primeiras twin-fins. Vamos agora a acreditar que acabaram de inventar as asas de avião e que os pássaros são uma espécie mutante? Quando as primeiras quilhas de plástico saíram da linha de produção, fiquei muito preocupado com a aplicação de quilhas sem o rounded leading edge, que andávamos a usar desde os anos 70.
Para facilitar a fabricação dos moldes, essas primeiras quilhas tinham a face interior completamente plana. Mas para contrariar o regresso aos fins fixos que os profissionais estavam a protagonizar, com o correspondente efeito nas vendas, as companhias de produção de fins de plástico tiveram que reagir depressa para manter o volume de compradores do seu produto. A curvatura da face interior, rara embora aparente nas quilhas glassadas de alguns fabricantes, nunca foi verdadeiramente estudada no início e provavelmente deveu-se a um acidente. Ocasionalmente, a face interior de uma quilha de plástico é concave devido a um efeito de encolhimento após a moldagem. Alguém deve ter experimentado usar algumas quilhas rejeitadas e sentiu a diferença. Mas se a face interior côncava foi de facto uma decisão estudada, então criaram-se fins eficientes para o seu tamanho. Recentemente, testei alguns dos seus novos modelos numa Quattro e funcionaram bastante bem.

Para terminar, deixa-nos uma breve ideia dos benefícios das M4 Quattro ou das M5 Multisystem.
São mais rápidas, têm mais drive e aceleração, agarram melhor em qualquer tipo de superfície de ondas. Podes dropar numa onda com grande segurança e dar o bottom sem risco de descontrolo. Podes passear no topo da onda em vez de ficares preso. Passam secções com muito maior facilidade. Oferecem muito mais controlo em floateres e secções espumosas. Podes andar mais alto na parede e mais junto ao pocket do que com outras pranchas. Torna-se fácil sair da onda quando é preciso. Todas as manobras que fazes com outras pranchas, fazes com uma Quattro. Têm um novo feeling, a única limitação de performance advém da tua própria habilidade.

E quanto à diferença que faz no peso da própria prancha?
Os plug-ins não pesam muito e meter um motor maior compensa qualquer alteração de peso. Com os fins ultra-leves essa diferença não existe. Mesmo com fins pesados os prós superam claramente os contras.